Mas, embora o 24 de dezembro não seja uma data histórica, tem um significado simbólico. Nesse dia, os romanos celebravam o festival do Sol Invictus, que comemorava o renascimento do Sol após o solstício de inverno no hemisfério norte. A opinião tradicional é que os primeiros cristãos se apropriaram da data como parte de um programa deliberado de incorporar elementos pagãos tradicionais a fim de tornar o cristianismo atraente para os não-cristãos. Esse mesmo programa levou ao costume de transformar os antigos templos da Grande Deusa em igrejas consagradas à Virgem Maria e a canonizar santos que não passavam de divindades pagãs cristianizadas, como São Jorge, que é a versão cristã de Ares/Marte. Incidentalmente, deve-se notar que essa cristianização do paganismo também implicava inevitavelmente em uma paganização do cristianismo, de modo que vários símbolos tradicionais foram preservados sob uma nova forma.
O que é importante notar é que essa releitura do paganismo à luz da nova religião não era arbitrária. A Virgem Maria de fato é uma nova encarnação do arquétipo da Grande Mãe e São Jorge realmente incorpora as mesmas energias arquetípicas que o mundo greco-romano personificava em Ares/Marte. Da mesma forma, em termos simbólicos, o nascimento de Cristo é análogo ao surgimento do Sol Invictus em 24 de dezembro, daí a coincidência das datas e a razão pela qual, nos primeiros séculos do cristianismo, era comum encontrar representações de Cristo com os atributos solares de Hélios-Apolo. Mas qual é o significado simbólico do Sol Invictus?
A luz da consciência. - Num primeiro nível de leitura, o nascimento do Sol após o solstício de inverno representa o triunfo da vida (o Sol) sobre as forças da morte (os rigores do inverno). O festival do Sol Invictus faria parte, assim, dos festivais ligados ao ciclo agrário. Mas o significado da data não se esgota nesse nível naturalista de interpretação. Como Jung mostrou, o simbolismo mitológico não é uma relação binária entre uma imagem mítica e um elemento natural (a Grande Mãe = natureza, por exemplo), mas uma relação ternária, na qual tanto a imagem mítica quanto o elemento natural são tomados como símbolos de uma realidade psíquica (a Grande Mãe = natureza = inconsciente, para continuar com o exemplo).
Dessa forma, a divindade solar, seja Hélios-Apolo ou Cristo, não é meramente uma representação antropomórfica do Sol, mas a personificação de um aspecto da psique que também é simbolizado pelo Sol. Uma vez que o Sol é um dos símbolos mitológicos mais antigos, difundidos e importantes, não é fácil resumir seu significado em poucas palavras. Mas, por baixo de todas as nuances e matizes que o simbolismo solar assumiu ao longo de milhares de anos, o núcleo de significado é relativamente simples: a luz do Sol simboliza a luz da consciência e o astro da qual ela emana representa a fonte da consciência, ou seja, o Si-mesmo. Em outras palavras, quando o solstício de inverno começou a ser comemorado, sua finalidade original era celebrar o nascimento da consciência a partir das trevas do inconsciente, isto é, o momento na história (coletiva ou individual) em que o ser humano torna-se uma criatura consciente.
The Winter of Our Discontent. - Esse significado original, porém, ganha uma camada mais profunda quando levamos em conta que a consciência que emerge do inconsciente ainda não é o produto final, acabado. O desenvolvimento da consciência é um processo, a individuação, que, como se viu em outra parte, pode ser grosseiramente dividido em duas etapas. Na primeira, a fim de que possa se diferenciar do inconsciente, a consciência precisa ser contida pelo ego, que fornece um espaço no interior do qual ela pode se desenvolver. É por isso, aliás, que o Sol algumas vezes também simboliza o ego, na qualidade de portador da luz (lucis fer) da consciência. Esse casulo protetor do ego é constituído não apenas pelo eu individual, mas também pelas estruturas sociais que são um prolongamento do ego na esfera coletiva.
No entanto, chega um determinado estágio em que a consciência atinge o máximo que é possível crescer dentro dos limites estreitos do ego e da sociedade. Para que ela possa desenvolver plenamente seu potencial, a consciência precisa superar esses limites, e aqui as estruturas egóicas passam a desempenhar um papel semelhante ao que o inconsciente desempenhava originalmente, a saber, um empecilho à consciência. Neste ponto, o simbolismo inicial do Sol Invictus passa a representar não apenas a consciência brotando do inconsciente, mas a transcendência das forças egóicas, individuais e coletivas, que impedem a plena realização do Si-mesmo. O inverno já não encarna somente a inércia inconsciente, mas torna-se uma representação dramática do que Shakespeare chamou de winter of our discontent, o inverno de nossa desesperança, que podemos assimilar, através de um jogo de palavras menos forçado do que parece, à civilization and its discontents freudiana. Em outras palavras, o estado de sístase.
Se o nascimento da consciência era o significado exotérico do nascimento do Sol Invictus, seu sentido esotérico é o triunfo da consciência sobre o inconsciente e o ego, a dissolução do estado de sístase e a plena encarnação do Si-mesmo no indivíduo. É essa encarnação que o mito de Cristo dramatiza e é essa encarnação que Nietzsche anunciava como o advento do Super-Homem, a realização integral de nosso potencial como seres humanos dotados de uma essência divina. Se há algo que vale a pena comemorar no Natal, é esse advento.
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